terça-feira, 15 de janeiro de 2013

"Um lugar especial", de Peter Straub


Na época de minhas primeiras tentativas de produção literária, ouvi de dois amigos a mesma crítica, embora com palavras diferentes. Um era escritor, enquanto o outro é professor de idiomas. Achei curioso e quase inacreditável ouvir que eu provocava tensão, um sentimento profundo de desconforto, como um abraço que se sabe anunciar uma queda no abismo.
Sempre li muito, mas nunca senti algo como isso. Imaginei, na época, que podia ser exagero. Muitos anos depois Peter Straub me ensinou a que meus amigos se referiam.
Em seu “Um Lugar Especial”, o autor conduz a narrativa de forma aparentemente despretensiosa, desprovida de grandes pretensões ou floreis. Porém, intencional e irreversivelmente conduz o leitor a um estado de agonia. 

A história é um recorte da vida de Keith Hayward, um menino que desde cedo demonstra tendências ao desajuste social e à crueldade. Como a maior parte dos assassinos em série de quem se tem notícia, dá início à sua trajetória sombria com atos de crueldade animal. Não há como sentir algum tipo de simpatia por ele, embora também não seja possível torcer para que algo mude o desfecho trágico que se anuncia, minuto a minuto, frase por frase.

Além de sua própria inclinação ao mal, Hayward ainda conta com as lições do tio Till, que se revela prestativo na tarefa de transmitir dicas aterradoras que a maioria de nós dispensaria. E é justamente Til que desencadeia o evento que, embora previsto pelo leitor, faz com que qualquer um torça para que não se concretize.

A narrativa de Straub é soberba e comprova todo o seu talento literário. Como um bom escritor, ele não precisa apelar a imagens sangrentas e adjetivos exagerados. Tampouco há espaço em sua prosa para lugares comuns. O medo se instala em quem acompanha a narrativa de forma sutil e crescente, antes mesmo que alguém perceba que está sendo arrastado para porões escuros.

A impressão remanescente após o desfecho perverso é tão desoladora quanto um diálogo presente no filme “Oito milímetros”, de Joel Schumacher. Quando indagado por um policial sobre o motivo dos crimes brutais que cometeu, o assassino responde, imperturbavelmente calmo: “Por que eu podia”. Uma declaração chocante que, aliada ao retrato de Keith Hayward, é capaz de substituir a aura de mitos que receberam muitos serial killers norte-americanos por uma imagem perturbadora.



quinta-feira, 12 de abril de 2012

“Gigantes de aço” e pontas soltas


“Gigantes de aço” é um filme inegavelmente voltado para entretenimento. O ator principal, Hugh Jackman, reafirma aqui a sua afinidade com o humor. Ele vive Charlie, um ex-boxeador falido que opera robôs de segunda mão em lutas de boxe, muito populares em 2020, época em que se passa a história. Subitamente o personagem se vê obrigado a conviver com o filho de 11 anos, fruto de uma aventura amorosa.

Os 50 minutos iniciais do filme definitivamente divertem. Claro que, para os espectadores mais experientes, fica bem claro para onde o trabalho dirigido por Shawn Levy (que comandou também “Uma noite no museu”, “Doze é demais” e “Recém-casados”) está indo, mas dado que provavelmente o público-alvo é infantil/juvenil, essa previsibilidade pode ser tolerada. As pontas soltas do roteiro é que aborrecem.

Imagino que meu interesse aqui se deva à minha paixão por tramas e seu respectivo desenvolvimento. Para mim, uma obra só consegue ser louvável quando sabe para onde vai. Não precisa ser pretensiosa, tampouco abraçar uma causa social ou levantar uma “moral da história” no final. Isso se estende a filmes, livros, quadros, músicas e quase qualquer outra expressão artística.

Voltemos ao filme para que eu possa explicar isso. Embora a produção de 2011 chegue a divertir e, em alguns momentos, até emocionar, parece que o roteirista estava com uma metralhadora na mão e nenhuma ideia de para onde atirar. O passado de boxeador do protagonista? Os subentendidos e pouco (se tanto) explorados sentimentos do robô encontrado pelo menino? A relação pai e filho? Crítica ao comportamento irresponsável de Charlie?

Como se não bastasse essa salada de focos, quando o filme termina, fica-se com a impressão de que faltou algo. Um dos pontos certamente ausentes da trama é coerência na construção de personagens. Em uma reflexão posterior aos créditos exibidos na tela, é inevitável se perguntar se o vilão era vilão mesmo, ou se simplesmente não havia mais ninguém para servir de contraponto. Pai e filho também desafiam as leis da lógica: volta e meia assumem o comportamento que criticam no outro, como se houvesse um acordo mudo de revezamento de personalidade em tempo integral.

Seria injusto qualificar o filme inteiro como ruim por isso. No entanto, ele pode ser considerado um excelente exemplo de que o autor precisa saber onde deseja chegar antes de dar o primeiro passo. Parafraseando um ditado popular, “quem tudo mira, nada acerta”. E talvez venha daí o sentimento de incompletude da película.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Bertolt Brecht e os anos


Hoje relembrei um escrito de Brecht, pensador que sempre me inspira. Este texto em especial chama-se “O reencontro”, e pode ser encontrado em uma coletânea imperdível do autor chamada “Histórias do Sr. Keuner”.

Um homem que o sr. K. não via há muito o saudou com as palavras: “O senhor não mudou nada”. “Oh!”, fez o sr. K., empalidecendo.

Todos nós conhecemos pessoas que não mudam, e a maioria tende a pensar que isso é positivo, talvez por uma questão referente à estética. Porém, gosto de pensar que o mundo vai mais além das rugas do rosto de alguém.  Geralmente, quando reecontro alguém que não mudou nada, percebo que nossos caminhos tomaram rumos diferentes. Não estou acima nem abaixo do velho amigo, mas com certeza estou em outro ponto da vida.

Sempre acreditei que nossa personalidade é invariavelmente dependente do o que priorizamos na vida: trabalho, amigos, amor, festas, causas sociais, estudos e uma variedade quase infinita de objetivos. À medida que nossas prioridades mudam, nosso comportamento acompanha. E é por isso que alguns velhos melhores amigos hoje já não são mais que rostos conhecidos. É por isso que “reles” colegas de trabalho são hoje figuras fundamentais na nossa vida. É por isso que alguns amigos de infância nunca partem: serão sempre parte de nossa essência.

Se formos capazes de olhar para as mudanças sofridas (ou não) por nós mesmos e por quem conhecemos com neutralidade, seremos capazes de entender as coisas que nos afastam e nos aproximam do outro.  E ainda não há forma melhor de se conhecer do que dispensar olhares atentos a quem nos rodeia.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Epitáfios


Sempre observei que quando chega o final do ano acompanhamos uma enxurrada de mortes e catástrofes. Este ano parece, porém, que a bruxa não quis esperar tanto. Perdemos vários esportistas, um grande humorista e, ainda hoje, o grande Millôr Fernandes. É claro que isso deixa o Brasil muito mais triste.

Contudo, artistas como Chico e Millôr não perdiam a presença de espírito nem quando se tratava da morte. Dizem pela internet que, quando perguntados sobre o que gostariam de ver escrito em sua lápide, eles não tiveram dúvidas.

– Chico Anysio: “E agora? Vão rir de quê?”
– Millôr Fernandes: “Não contem mais comigo!”

O que me faz lembrar de uma lista (de autoria desconhecida) sobre possíveis epitáfios.
               
Do delegado: Tá olhando o quê? Circulando, circulando.         
Do maldoso: Chega aí!
Do chefe: Bata antes de entrar.              
Do funcionário público: Dirija-se ao túmulo ao lado. 
Do judeu: Alugo vagas.                               
Do espírita: Volto logo!             
Do prevenido: Abrir de hora em hora.
Do comerciante: Fechado pra balanço.              
Do sambista: Dancei.  
Do viciado: Enfim, pó.
Do folgado: Não perturbe.       
Do paquerador: Você vêm sempre aqui?           
Do desastrado: Desculpa qualquer coisa...       
Do bombeiro: Apaguei.              
Do açougueiro: Desencarnei.  
Do arquiteto: Fiz a passagem. 
Do sapateiro: Bati as botas.     
Do terrorista: A morte é uma bomba. 
Do humorista: Não achei graça.                                                             
Da bichinha: Virei purpurina! 
Do mano: Rapei fora.                  
Do confeiteiro: Acabou-se o que era doce.       
Do ginasta: Consegui! Dei um salto mortal!                    
Do maluco: Tô só fingindo.      
Do crítico: Não gostei.
De Elvis Presley: Não morri.   
Do juiz: Caso encerrado.           
Do eletricista: Foi um choque.
Do obstetra: Parto sem dor.    
Do espermatozóide: Onanista miserável!         
Do mineiro: Trem ruim, sô...  
Do sindicalista: Greve por tempo indeterminado.        
Do hipocondríaco: Não falei que eu tava doente?

Um cão professor


Sempre gostei de animais. E tanto, que me tornei vegetariana aos 14 anos. Em casa, os bichos sempre tiveram lugar garantido. Tive dezenas de cães (Joca, Bruno, Porfírio, Lobo, entre muitos outros, in memoriam) e gatos (Sargento Neco, Neil, Atílio, Locke, e outros incontáveis). Um galo que tomava Nescau e se chamava Aristides. A papagaia Naná e duas catorritas, que sempre viveram soltas. Coelhos, como o Whiskey. E até um bode.

No entanto, foi meu cão atual quem me ensinou mais coisas, talvez porque hoje sejamos uma matilha de apenas dois bichos (sim, porque infelizmente o ser humano esquece que é, ele próprio, um animal, e não dos mais admiráveis). Ele me ensinou a amar incondicionalmente. A ter paciência. A voltar pra casa mais cedo. A ter horários e responsabilidades, porque no meu lar há alguém que me ama e depende de mim. Alguém que suspira quando deita ao perceber que não sou palhaça e não tenho que fazer todas as vontades dele. Esse alguém é o Toríbio. Toríbio Cambará, um cão hiperativo que precisou passar por cinco famílias impacientes até achar a sua.

Por causa dele e de sua ansiedade, conheci o trabalho de Cesar Millan, um adestrador famoso. Eu tinha que aprender a lidar com um meteoro peludo, mas, na verdade, aprendi muito mais. Há pelo menos uma lição que eu gostaria de compartilhar. No livro “O encantador de cães”, Millan explica que há um tipo de comunicação universal que funciona com todas as criaturas, exceto a maioria das humanas. Trata-se de energia, e faz tempo que esquecemos de como podemos lê-la.

Mas há uma minoria que consegue, sim. E faz mais que isso: irradia, transmite, troca, envia força e calor. Estes abençoados nem sempre estão por perto. Tendem a se espalhar pelo mundo, porque talvez a missão deles seja justamente aquecer os lugares para onde vão. E eles não têm essa energia à toa: acredito que adquiriram seu dom junto às próprias dezenas de animais amados, os idos e os presentes. E é para essas pessoas que quero agradecer imensamente pela energia que me emprestam sempre. Barbara Chasteen, Andréa Ilha, Cristiana e Mariza Magalhães: vocês serão sempre quatro lindas e brilhantes velas, cujas luzes refletidas no céu talvez sejam o que convencionamos chamar de estrelas. 

terça-feira, 13 de março de 2012

Depois do prazer


Conversando com amigas, filosofamos sobre a decadência da música brasileira. Não, não começou ontem. A Andréa Ilha publicou uma charge, mostrando a diferença de “Garota de Ipanema” para “Ai, se eu te pego”. Isso evidencia o quanto os hinos à beleza feminina perderam o romantismo. Ou as mulheres regrediram ou os músicos pararam de evoluir. Eu sou mais a favor da segunda hipótese, embora a Luciana Gimenez não me faça duvidar inteiramente da primeira. Renata, outra participante do debate, ainda insinuou, com bom humor, uma cena grotesca: o falecido Frank Sinatra se unindo para cantar com Michel Teló como cantou com Tom Jobim. O arrepio foi geral.

Voltando à primeira hipótese, vale lembrar que vi muitas mulheres se descabelando emocionadas na TV ao ouvir Alexandre Pires cuspindo idiotices. Como o “clássico” abaixo.


Tô fazendo amor/Com outra pessoa
(Quem é a vítima?)

Mas meu coração/Vai ser prá sempre teu...
(Sugiro que você enfie seu coração no fy-ow-foh, com perdão para meu sotaque inglês.)

O que o corpo faz/A alma perdôa
(Vai nessa...)

Tanta solidão/Quase me enlouqueceu...
(Há controvérsias em relação ao “quase”.)

Vou falar que é amor/Vou jurar que é paixão
(E eu vou ao banheiro e já volto.)

E dizer o que eu sinto/Com todo o carinho/Pensando em você...
(Eu prefiro nem comentar o que EU sinto por você.)

Vou fazer o que for/E com toda emoção
(Vai que é sua, Taffarel...)

A verdade é que eu minto/Que eu vivo sozinho/Não sei te esquecer...
(Acuma? E não tava fazendo amor com outra pessoa?)

E depois acabou/Ilusão que eu criei
(Quem dera criasse só ilusão. Mas também resolveu compor.)

Emoção foi embora/E a gente só pede/Pro tempo correr...
(Óbvio, pra essa música terminar.)

Já não sei quem amou/Que será que eu falei
(Olha, eu também não sei o que tu falou. Toda vez que tu abre a boca, só ouço blá-blá-blá.)

Dá prá ver nessa hora/Que o amor só se mede/Depois do prazer...
(Taí um crime que deveria ser previsto na constituição: colocar pagode e prazer na mesma frase.)

Fica dentro do meu peito/Sempre uma saudade
(Nossa, nossa...)

Só pensado no teu jeito/Eu amo de verdade
(Assim você me mata)

E quando o desejo vem/É teu nome que eu chamo
(Pena que eu não posso dizer o mesmo. Ai, se eu te pego...)

Posso até gostar de alguém/Mas é você que eu amo...
(Ai, se eu te pego eu te encho de porrada, seu lazarento! Vou bater tanto que tuas orelhas vão parar nas costas, seu efêmero!)

Enquanto ouvimos asneiras como essa, sabemos que muitos bons músicos esperam um lugar ao sol. O que me faz pensar que a dobradinha qualidade da música/gosto do público deve ser uma questão meio “ovo e galinha”. Não tem como saber quem decaiu primeiro.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Quem não sabe brincar...

Tenho que compartilhar mais uma pérola de sabedoria minha. No sábado, encontrei uns amigos para conversar e beber. Lá pelas tantas, um ser cuja privacidade tomarei o cuidado de proteger (proteger o caralho, o nome do freguês é Clodoaldo), propôs uma brincadeira.

Do alto da minha modéstia, que nem de longe pode ser subestimada, posso dizer que sou imbatível, a number one, quando falamos de cinema e afins. E como dizia o personagem do grande ator Francisco Milani, não me venha com churumelas e tentativas frustradas de argumentação contrárias.

O jogo era o seguinte: com perguntas de “sim” e não, tentávamos adivinhar a celebridade em que o outro pensou. Eu comecei, e escolhi a Angelina Jolie, porque o gênio em questão havia citado a atriz no mesmo dia como a mulher mais bela do mundo. Eu quis ser legal. Como sempre. O mundo acaba me forçando a ser maléfica.

Começamos, com o indivíduo fazendo as perguntas.

– É mulher?
– Sim.
– É atriz?
– Sim.
– Ganhou o Oscar?
– Sim.
– É atual?
– Sim.
– É a Liz Taylor?
– Er... Ela morreu.
–  Ah, é. É a Marylin Monroe?
– (...)

Por motivos completamente óbvios, eu disse que era melhor não brincarmos mais. O jovem néscio recusou-se a admitir sua derrota humilhante, completa e mortal e solicitou que continuássemos os folguedos. Dessa vez, ele escolheu a celebridade. E tornamos a começar, com esta que vos fala fazendo as perguntas:

– É mulher?
– Sim.
– É atriz?
– Não, na verdade, porque é homem, e seria ator.
– Hã? Mas tu não disse que era mulher?
– Me enganei.
(Olhei para ele lutando para não metralhá-lo com um ódio letal.)
– É gay?
– Não sei.
(Hummmm... Se é duvidoso, pode ser o George Clooney...)
– Já dirigiu algum filme?
– Não.
(Bosta! Não pode ser o Clooney. Então deve ser um dos ingleses, que em geral têm a sexualidade questionada por serem sofisticados.)
– É inglês?
– Sim!
– Já encarnou algum 007?
– Sim!
– Seu nome começa com S?
– Sim!
– É o Sean Connery?
– Quase. É o Sylvester Stallone.
FATAAAAAAAAAAAALITY!

Moral da história: não sabe brincar, vai ver filme!